sábado, 30 de novembro de 2013

porque todos têm uma história para contar...


A chegada do metro era aguardada em silêncio.
Subitamente, uma voz ecoa através do túnel e as palavras chegam em notas: "Cheio de penas me deito e com mais penas me levanto..." Ergo o olhar do meu livro e escuto. A voz era forte. Sofrida, mas cristalina. Aproxima-se calmamente um homem de cabelo grisalho e desgrenhado. Nas mãos, um saco de plástico. Ténis azuis da Nike de cor esbatida, calças de ganga e um casaco de fazenda axadrezado. Chega com uma alegria extra para uma manhã de quinta feira. Lê-se no olhar de muitos que se afastam com aquela ligeireza de quem não quer parecer indelicado, mas o é, de uma forma refinada.
"Tinha eu catorze anos...", começa o homem a contar com o olhar lá atrás, " quando a Amália me comprou um sumo e um palmier. No tempo em que ela cantava e tinha voz!"
O metro chega. As pessoas entram mais depressa do que o habitual, afinal o homem fala alto e parece estar no rol dos inconvenientes. Cheira a álcool, é alguém a evitar.
Lá dentro, encontra alguém que lhe dá troco na conversa. Um romeno, com um filho loiro de 6 anos, mais ou menos, de luvas e gorro enfiado na cabeça. O pai, possui um sorriso acolhedor e sincero. O homem do qual quase todos se desviaram prossegue. "Tinha eu quatro, cinco anos, já fumava. Apanhava beatas do chão e punha na boca. Um dia, um engenheiro comprou-me uns sapatos. Custaram 49 escudos! Depois deu-me 500 escudos para levar para casa. Dei-os à minha mãe que os guardou dentro do sutiã. Mas o meu pai viu, agarrou no dinheiro e foi logo para a taberna. Já passei muito... e ainda passo!" Os seus grandes olhos verdes enchem-se de um brilho especial, daquele que aparece quando a tristeza transborda da alma. Esboça um sorriso tímido e olha para o chão, perdendo a voz. Fez o mesmo que todos à sua volta fazem, ao evitá-lo. Cruzar olhares pode ser perturbador. E o seu olhar era um mundo. Um mundo de vida!

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